“A roupa é a expressão mais sofisticada de uma religião que trabalha com o elemento estético como determinante”, afirma Jaime Sodré.
Guardado pela família, o tecido do Ikomojadê estará ao lado da criança até o dia em que, jovem ou adulta, se despeça da vida. Ainda que o ritual tenha variações – em algumas casas, ocorre no nono dia – ele revela pistas da importância da indumentária para a cultura negro-africana transportada pelo processo forçado da diáspora.
HIERARQUIA DO TRAJE
Somente aos mais antigos iniciados do candomblé é permitido o uso de todos os elementos do figurino afro-brasileiro.
A beleza dos trajes de ialorixás como Mãe Menininha do Gantois, Mãe Senhora, Olga de Alaketu, Gaiaku Luiza, Mãe Runhó e tantas outras exprime mais do que o esmero das costuras impecáveis. Quem conhece o universo da religião dos orixás sabe que somente pessoas com alto grau hierárquico podem usar todos os elementos do figurino afro-brasileiro. No candomblé, o tempo de iniciação religiosa é diretamente proporcional à importância e à reverência feita a cada membro da comunidade. Lá, o tema cada vez mais atual do respeito à terceira idade sempre foi regra. Nos terreiros, cabelos brancos são sinais de autoridade.
Por mais posses e dinheiro que um iniciante tenha, ele terá que começar como todos os outros: vestindo a roupa de ração. A vestimenta dos abiãs, nome dado aos recém-chegados, assim como a dos iaôs e muzenzas – espécies de noviços – é a mais simples possível. Branca dos pés à cabeça, confeccionada em morim, inclui o camisu ou camisa de crioula. Para os homens, a calça de ração. Para as mulheres, a saia de crioula. A cabeça, parte do corpo mais importante por guardar o axé, estará sempre coberta pelo ojá. Tudo sem rendas, babados ou decotes.
Cor ancestral
“ O branco, que representa a paz, é a cor de Oxalá, o pai de todos os orixás. Ele não é respeitado apenas pelas pessoas, mas também pelas outras divindades ”, explica a ekede Cinha, do Terreiro da Casa Branca. Associado à ancestralidade, o branco de Oxalá é a cor utilizada no “ nascimento ” de um novo iniciado e também nos rituais fúnebres, chamados de axexê. “Para nós, a vida e a morte têm quase o mesmo significado, porque não acreditamos em um fim. Quando morremos, viramos ancestrais”, explica a ekede.
Nenhuma fita enfeita a barra da saia de uma iaô. O primeiro adereço é adicionado quando ela completa um ano de iniciação. No terceiro ano, ganha mais duas fitas. No sétimo, são mais quatro. “Serão feitas roupas belíssimas de acordo com o tempo de iniciação e também com as posses. O tecido vai variar, mas se for uma iaô, mesmo rica, ela não pode se vestir como as mais velhas”, explica Dona Cici, que ocupa o cargo de egbomi, um dos mais respeitados das casas de matriz africana, já que só é concedido aos mais antigos.
(partes do artigo Alta Costura Afro-baiana de Adriana Jacob)
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